domingo, 30 de junho de 2019





O DESPERTAR DE LUKAS LAMPROS(1925-2014)



Não foi embora. Apenas acordou cedo e fugiu das chuvas que não caíram. Tornou a ver  a tarde, a noite como invadem nossos amores a vaga onda da música repetida. Sonora. Repetida.
Meu bom dia a você que despertou. Sem cinzas, nunca mais no pó. Seus olhos verdes, de um verdor de araucárias( lembra-se que você sempre as amou?...), de um verdor de circunstâncias luminosas, de uma luz inextinguível-você nunca as abandonou. Só esqueceu, por momentos, quando os tolos se dirigiam ao precipício, na arrogância inútil, na violência que o teu lápis e o teu pincel esqueceram, também. Aliás, todos os teus desenhos, cálidos e afiados, estão na minha pele há muito.
Não, não foi embora-permanecerá entre os meus olhos, sempre que notar um profundo sonho mais rico, mais terno e triste. Destas tristezas que sombreiam a vida, na sua escalada rumo ao conhecimento das intuições, mais do que verdadeiras.
Sempre me perguntei porquê você, pai, tinha esses rompantes, essas formas meio estranhas de tratar alguns. E soube, no meu íntimo, que sempre esteve certo. E eu errado. Por você sempre saber de longe quem era quem. E eu quando precisei saber ouvia livros, os sinais, o vento e as folhas das árvores em busca de explicações...
Noto que o dia vem se aproximando. Sua esposa está cansada, não pelo dia, mas pelos dias em que foram tantas noites, tumultuosas, mas produtivas. Seus filhos buscam paredes para se apoiar. Neste dia que amanhece, pai, você seguramente saberá como olhar pela janela da vida e saberá como curar todas as feridas. Em nós, em você. E naqueles que nunca sonharão, pois mesmo vivos estarão dormindo antes que desponte o sol.
O Sol invencível que reafirma toda a vida e a porção, nesta vida, de nosso quinhão de arte, de verdades e de pureza, mesmo que custe muito ou pouco. Mesmo que custe este final e o recomeço, entre os recomeços. Vibrantes, porém, nunca o fim. Trágico. Último. E sim o fim quando todos estarão tristonhos e você rindo, pois se permitiu saber a essência de ser bom, duro, mas bom. Ser criança, ser velho, hoje e ontem. E todos nós estamos com a nítida esperança de que nos veremos cedo e tarde empinando pipas, jogando bola num gramado infinito, na casa que é sua e de todos nós. Com as cores dos seus desenhos e com o traço indelével na alegria que proporcionaste como poucos, nesta vida.
Pai, descanse. O dia promete mais coisas do que a gente pensa, ou sabe: Vida e em abundância. Só esperamos naquele dia nos reencontrarmos para falarmos que nunca, certamente,  houve noite; só o esquecimento daqueles que ficaram. Tristemente. Duramente. Solitariamente...Que estão em suas trevosidades, mas em busca de uma fagulha de eternidade e de bondade nesta densa escuridão em que estão envoltos. Esperando que o despertador da vida os acorde, e por fim, e os tirem do pesadelo do dia a dia, nestas noites sem fim.
Pai, descanse. Há muito que andar e descobrir. Além dos mares em que você navegou, há os mares do infinito que você vai descobrindo com a sede de quem achará uma outra América, um outro caminho para as Índias. E se puder envie-nos o mapa de suas descobertas para que não nos percamos, nunca mais, neste longo percurso de mistérios e de saudade em meio a tantas tempestades e rumores. Nunca mais um naufrágio: a descoberta de que tudo, em meio às dores, será risível, mesmo que o trágico embarque conosco. Mesmo porque dentro desses mares há a paz que nos acompanha e vive, sem medo de ser feliz, e de fazer outros felizes.

Crônica de Nestor Lampros sobre o artista Lukas Lampros, meu pai



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